terça-feira, 24 de novembro de 2015



IN DECISÃO



Amanhã, Santos e Palmeiras começam a disputa final da Copa do Brasil.
E como eles chegam nessa situação? Com seus jogadores desgastados, perto do limite de uma contusão, expondo atletas de custo altíssimo a gramados perigosos, navegando entre horas de voo e chuvas torrenciais. E mais, deixando de lado a fase decisiva do Campeonato Brasileiro em que enfrentam adversários diretos na busca de melhores posições no torneio ou times que estão vivendo o terror do rebaixamento. E tem o sequestro infame das seleções brasileiras que arrastam seus jogadores para o cativeiro da CBF e dos treinadores de métodos totalmente diferentes dos utilizados no clube, expõe todos eles a riscos físicos e tentações psicológicas e não dão nada em troca, além de facilitar o assédio dos empresários sanguessugas que, no mínimo, deixam os jogadores com as cabeças cheias de euros ou dólares.
Se fosse só uma questão de calendário já seria difícil de justificar esse acúmulo de jogos e torneios. Mas está na cara que a intenção é criar um ambiente propício para jogadas que não têm nada de bonitas ou estratégias 4-1-4-1 ou 4-3-3 moderno. A coisa é mais mesmo de "vai lá um e dá quatro cá".
E aí não dá mesmo pra aparecer no aeroporto e nem pra entregar uma taça. E dá de de repente não resistir à uma medalha no bolso





...ahh é não é esse que tem essa cleptomania...é o outro que está de tornozeleira em Nova York.





Eles é que tomaram a indecente decisão de manter e aperfeiçoar o esquema infeliz em que o nosso futebol está metido.




 O resultado são os 6 a 1...oops como eu estou me enganando hoje, é do 7 a 1 que eu estou querendo falar.

11/2015
Pra começar a falar de futebol por aqui também, me inspirando no brilhante texto do Flavio Gomes.

NEO-FUTEBOL

SÃO PAULO (vou me arrepender) – Eu não devia, mas tudo bem — é que falar de futebol para quem acha que o mundo começou quarta-feira passada tem se tornado um estorvo, muitas vezes.
Mas vamos lá.
Travo um embate diário com meus colegas na TV que, com seus argumentos, todos muito válidos, mas dos quais discordo e discordarei até a morte, defendem este modelo de futebol que em pouco tempo transformou, por exemplo, um clube popular como o Corinthians num reduto elitizado em que alguns neo-torcedores comemoram rendas e verbas de TV.
Eu era editor de Esportes da “Folha” quando o Corinthians ganhou seu primeiro título brasileiro. Foi em 1990. A foto que escolhi para a capa do caderno foi essa aí embaixo, de autoria de Luiz Carlos Murauskas.
murauskas
Não escolhi nenhum jogador, técnico, ex-atleta ou dirigente. O negão com camisa pirata atravessando o gramado do Morumbi de joelhos, para mim, era a imagem que mais se aproximava do que era o Corinthians.
Ontem, no luxuoso estádio de Itaquera, que tem banheiros de mármore com monitores de TV para quem está mijando, ninguém atravessou o campo de joelhos. Na hora de receber o troféu, os jogadores contaram com a igualmente luxuosa presença de Ronaldo Fenômeno, que se converteu num símbolo vivo dessa transformação pela qual o futebol está passando.
Ronaldo jogou pouco tempo no Corinthians. Sua fama e tino empresarial, no entanto, ajudaram o clube a conseguir diversos patrocinadores de peso e elevaram o Corinthians a “case” de marketing, a ponto de seus torcedores terem de usar pulseirinhas de balada VIP para frequentar as cadeiras do Pacaembu. Os ingressos passaram a custar mais, bem mais, e a arquibancada clareou.
E Ronaldo, que é flamenguista e apenas encerrou a carreira no Parque São Jorge, sem nunca ter feito uma verdadeira história no “time do povo”, ganhou “identificação” com o clube e “virou” corintiano, “mais um louco no bando”. Quando, na verdade, sua única identificação com qualquer coisa que diga respeito ao Corinthians são os negócios que gerou. Mas foi ele, e não Rivellino, Marcelinho ou Tupãzinho, heróis do passado verdadeiramente identificados com suas cores, que foi ao pódio beijar a taça.
Claro que o Corinthians continua sendo um clube de enorme apelo popular. Tem mais torcedores do que qualquer outro, como tinha durante os anos de jejum e sofrimento, entre 1954 e 1977. Quem torcia nos tempos das vacas magras continua a torcer e está feliz da vida. E os títulos empilhados graças ao poder financeiro que o clube ganhou só farão essa legião de seguidores aumentar.
Mas não foram, e não são, os títulos que forjaram a imensa massa de torcedores do Corinthians. O clube foi fundado por operários no início do século passado, firmou-se como uma alternativa a clubes de colônia como Palmeiras e Portuguesa e à elite da cidade representada pelo São Paulo, e ganhou adeptos especialmente entre os pobres e migrantes nordestinos que não se identificavam com os outros times grandes da cidade — de novo, cujas torcidas eram formadas basicamente por descendentes de italianos e portugueses, ou paulistanos da gema.
A torcida cresceu, e a seca de títulos, por incrível que pareça, ajudou naquele momento histórico, porque o sofrimento do time em campo combinava com a vida sofrida de quem torcia por ele. Foram os corintianos que deram a maior demonstração de fé e amor numa semifinal de Brasileiro em 1976, dividindo o Maracanã com a torcida do Fluminense. Foram os corintianos que pintaram esta cidade de preto e branco quando Basílio fez o gol redentor do fim do jejum em 1977 contra a Ponte. Foi no Parque São Jorge que, nos anos 80, aconteceu o movimento mais importante da história do futebol brasileiro, a Democracia Corinthiana comandada por Sócrates, Casagrande e Wladimir.
Esse Corinthians de hoje é o mesmo?
Não creio. É perceptível um neo-corintianismo em São Paulo e no resto do Brasil, turbinado pela TV, especialmente, e por conta disso surgiram os neo-corintianos, seduzidos pelas pulserinhas VIP, pelos camarotes de Itaquera, pelas cadeiras brancas almofadadas e pelo mármore dos banheiros. Esse cara da foto de 1990 não frequenta mais as arquibancadas — cadeiras, melhor dizendo. A nenhum cara como esse da foto será franqueado, jamais, em tempo algum, o direito de atravessar um gramado de joelhos com uma camisa pirata num jogo do Corinthians.
Pode-se defender estes novos tempos argumentando que o mundo evoluiu, que os negócios aumentaram, que os patrocinadores exigem, que a Nike é importante, que não pega bem mais chamar estádio de estádio, tem de ser arena, e que é importante, sim, ganhar títulos, ganhar dinheiro, festejar a renda que aparece no telão, comemorar verba da TV. Há quem pregue a elitização definitiva, os ingressos caros, franquias, lugar cativo na primeira divisão para uma dúzia de clubes eleitos, cadeirinhas, público sentado, um modelo europeu ou norte-americano de ver esporte — ainda que, na Europa, vários países resistam a isso que chamo de “coxinhização” do futebol.
Eu acho isso um porre. Acho que esse tipo de evento pode ser qualquer coisa, menos futebol. Ver o público que lota os lugares do Santiago Bernabeu ou do Camp Nou me dá azia. Futebol não é teatro. É uma experiência sensorial, é a coisa mais importante do mundo. Não dá pra ver sentado.
Hoje, quem tem menos de 30 anos e frequenta os estádios de São Paulo não sabe o que é empunhar uma bandeira, fazer calo no bambu, estender uma faixa no alambrado. Na Arena Corinthians, todas as faixas, exceto as das organizadas atrás de um dos gols, são “fake”. Elas são novinhas, lavadas e passadas, e colocadas no peitoril das tribunas por funcionários do clube. Dizem coisas como “Tu és religião” e “Bando de loucos”, “Festa na favela”, coisas que torcedor algum, de verdade, escreveria numa faixa. Funcionam como decoração do estádio. Desculpem, da arena. Clichês ridículos que não se aplicam mais ao que é o Corinthians. Favela, aquele estádio com gente que paga 500 reais para ficar perto do campo? Façam-me o favor…
As pessoas tiram selfies, se olham no telão e convivem com esse ambiente artificial e pouco democrático — os ingressos são muito caros e é bem evidente a “troca de público” nos jogos do Corinthians, quando se olha para quem frequentava suas arquibancadas alguns anos atrás.
Ah, mas você não vai lá e não sabe o que está falando, tem rico e pobre, branco e preto, velho e criança. Pode ser, pode ser. Posso estar sendo antiquado e nostálgico, posso estar me baseando naquilo que vi na primeira — e única — vez que fui ao estádio novo do Corinthians, desculpe, arena, num jogo do Campeonato Paulista deste ano. Fiquei no reservado aos visitantes, com a torcida da Portuguesa. Achei o estádio lindo, de verdade. Gostei da arquitetura, da iluminação, do placar, é realmente sensacional. O Corinthians e os corintianos mereciam algo assim, grandioso, afinal foram décadas, um século, sem ter uma casa para chamar de sua — a arena ainda não foi paga, mas acredito que será, um dia, e não há ironia alguma aqui.
Ocorre que o que vi no Itaquerão naquele dia, em carne e osso, e o que vejo pela TV toda semana não me parece mais o Corinthians, aquele Corinthians do negão atravessando o campo de joelhos. Soube que há setores, inclusive, em que as pessoas gritam “senta” para quem quer ficar de pé. É o Corinthians dos neo-corintianos.
Não há sofrimento, dor, dificuldade. Se tem algo que me irrita profundamente nos neo-corintianos, é esse discurso resgatado do passado, de que “para o Timão tudo é difícil, suado, sofrido”. Não é mais. É tudo bem fácil, na realidade. O clube ganhou um estádio, tem todos seus jogos transmitidos pela TV, a Globo paga a ele dez vezes o que dá, sei lá, à Chapecoense, os juízes ajudam, o dinheiro flui com enorme facilidade. Na verdade verdadeira, hoje para o Corinthians é tudo muito, muito fácil.
Há méritos, claro, em transformar tais facilidades em conquistas. Gente competente na comissão técnica, no grupo de atletas, no marketing, na administração — embora o Corinthians atrase salários e deixe de pagar impostos de vez em quando, como confessou o ex-presidente e atual deputado Andres Sanchez. Mais de cem anos depois de sua fundação, finalmente o Corinthians deixou de ser um clube bagunçado, risível, às vezes, para ingressar numa elite econômica à qual, no fundo, nunca pertenceu.
É disso que se trata: de mudança de classe social. O Corinthians continuará sendo o clube com mais torcedores em São Paulo e possivelmente no Brasil, a tendência é de que isso aumente ainda mais, porque brasileiro gosta de ganhar, sobe no barco cujas velas se inflam mais, é muito mais fácil exercer seu sentimento de superioridade quando se torce para um time que conquista títulos, que tem estádio bonito, que usa camisa Nike, que é chique como este Corinthians de 2015 em que nem trabalho para colocar uma faixa no alambrado o torcedor tem.
Eu preferia aquele do negão com camisa pirata cruzando o campo de joelhos, mais autêntico e castigado, aquele que sabia transformar pequenas alegrias em felicidade plena, aquele do povo.
Como a torcida do Santa Cruz, essa do vídeo aí embaixo. Duvido que ontem, no Itaquerão, houvesse alguém mais genuinamente feliz do que a gente coral que foi às ruas comemorar a volta do Santinha à Série A — sem estádio de mármore, sem telão, sem selfies, sem camarotes, sem pulseirinha VIP.
Gente que fica feliz quando vai a um jogo de futebol ver seu time, e não a um evento corporativo em que parte da curtição é apontar para o telão quando aparece a renda, cheio de orgulho por cifrões.